sábado, 19 de março de 2011

Trecho do meu diário de um ano de Piauí. Desenterrado do fundo da gaveta.

"...caí de costas no chão. Minha cabeça bateu na parte exposta de raiz de uma árvore bem ramificada que bloqueava os últimos raios de sol do fim da tarde na encosta de uma serra no sertão do Piauí. Serpenteando como relâmpagos dois macacos desceram por um desses caminhos já desbotados pela falta de luz até ficarem a poucos centímetros do meu rosto. Senti seus hálitos quentes e vi de perto seus caninos bem expostos, parte de uma expressão bem conspícua de ameaça que dizia SAIA DAQUI!
Olhei para o lado e enxerguei o mato do chão rochoso, fingi estar desatento aos dois e não estar assustado. A ameaça demonstrada diminuía gradativamente, mas voltava assim que eu mexia o menor músculo do meu corpo. Virar o rosto para o lado fez com que eles se acalmassem, porém eu só pensava nas minhas jugulares expostas a aqueles caninos molhados.
Suando frio, paralisado e sem saber como escapar daquela situação, eu ficava imaginando o que estava fazendo ali, há dezenas de quilômetros da cidade mais próxima (que já era minúscula) e muito, mas MUITO longe de casa, se é que aquela altura eu poderia dizer que tinha casa alguma.
Meus dedos se moveram como aranhas que me puxavam para fora, um centímetro por minuto, e a cada segundo o suor e o sangue, resultado de um longo dia entre a vegetação espinhosa, era sugado pela terra. Entre suspiros e urros abafados dos meus anfitriões eu me arrastei dali. Um macaco-prego grita ao ameaçar, mas grunhe abafado quando está hesitando há poucos momentos do alvo da sua desconfiança

O modo como seu coração bate faz toda a diferença quando se aprende a viver".

~~

Depois de sair de lá localizei meus dois mateiros, rindo com umas caras debochadas. Poderiam ter me salvo, mas preferiram se divertir um pouco com o pesquisador pretensioso da cidade grande.

Hoje eu amo esses caras. Por incrível que pareça.

2 comentários:

Mari Lee disse...

Adrenalina pura! Quem precisa saltar de pára-quedas?

Nossa, cara, muito bem escrito!
Que medo!

maionese_paty disse...

saudades das suas histórias :)