sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os jacarés do Capibaribe


Acabei de voltar da prefeitura de Recife. Apesar de nenhum meio virtual ou telefônico de atendimento funcionar, fisicamente eu fui muito bem tratado.

Ao passar pelas maravilhosas pontes do bairro do Recife, fiz algumas digressões.

É incrível como a cidade e grande parte do seu povo, especialmente a "nova elite", é deslumbrada pela construção de prédios com mais de 10 andares. São deslumbrados por prédios altos, camisas com grandes jacarés no peito e carros com design (ou preço) arrojado. A funcionalidade não é lá muito importante. Essas coisas são símbolos de status, e não simplesmente coisas que nos servem.

Desculpem amigos, mas isso é de um provincianismo sem limites. 

Ao questionar aqueles que sabem um pouquinho a mais do que nós, vemos que grandes prédios e muitos carros são parte de doenças sociais. Causas ou consequências. Ou seja, quem já se estabeleceu como país desenvolvido (eu disse "desenvolvido", e não simplesmente "moderno") costuma ter ojeriza de prédios enormes e muitos carros. Essa sede por cidades mega verticalizadas é uma obsessão de países emergentes (leia-se "deslumbrados com a nova condição").

Esse fato, meu caro emergente, é o sinal do quão atrasado você é (e você que achou que morar em torres de 40 andares e dirigir um carro enorme representava a sua superioridade, hein? Estão fazendo pouco de você pelo mundo afora, viu?). Mas não se apoquente. Você é normal. É um processo pelo qual temos que passar. A gente é parte dele. Seremos ridicularizados um dia no estudo da história nos colégios do futuro.

Normal, mediano, medíocre, igual.

Pois é. Sou por um mundo com prédios menores, população menor, carros menores...

...e jacarés microscópicos.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O amor é um macaco selvagem no Piauí



Alunos: Professor, é verdade que você se apaixonou por uma macaca?

Eu: É. É verdade, meus amigos. O nome dela era Chiquinha.

Alunos: E o que aconteceu, Biondi?

Eu: Ela morreu.

Alunos: Oh!

Eu: Pois é. Sinto saudades dela todos os dias.

Alunos: Awwwn!

Eu: Os pais dela eram contra. Tentaram arrancar minha mão uma vez.

Alunos: Uau! Por causa disso?

Eu: Acho que sim. Bom, uma vez os macacos tentaram comer minha cara. Em outra tentaram jogar pedras em mim, outras me perseguiram até eu me jogar em um rio. Mas a vez em que tentaram arrancar minha mão eu tenho certeza de que foi por causa dos meus sentimentos pela Chiquinha.

Aluna: Biondi. Você deveria escrever um livro.

                                          Eu e Chiquinha. Amor.



domingo, 29 de julho de 2012

Mas que diabos houve comigo naquele tempo?



Uma delas era uma brasileira criada em outro país. Loira de olhos azuis, linda, inteligentíssima, com a cabeça cheia de borboletas, minhocas, pássaros e macacos. Perturbada.  Acadêmica como eu tento ser, só que melhor, fazia com que eu quisesse ser mais do que eu sou. Buscava tanto, e eu era um só,  que apesar da possibilidade remota de algo razoavelmente estável, o negócio todo era uma tempestade excitante e frustante ao mesmo tempo. O sexo era praticamente mágico e não havia como ser diferente, desde o começo foi quase um milagre.
 
A outra era uma brasileira que morava em outro país. Morena incrivelmente provocante, linda, inteligentíssima, com a cabeça cheia de cinema, letras, bares e filosofias. Perturbada. Desesperada como eu pareço ser, só que mais sincera, fazia com que eu quisesse ser mais do que sou. Tinha tamanhas complicações na vida pessoal que qualquer coisa de qualquer tipo era impossível. Brochei após o frenesi inicial, em todos os sentidos, imediatamente após por as mãos naquela figura, apesar de louvar a criatura como se fosse uma santa. 

Me sinto meio Groucho Marx, que se recusava a participar de qualquer clube que o aceitasse como sócio.

sábado, 5 de maio de 2012

Ruína



03-05-2012

Me enfiei em um apartamento que pertence a mim, ao meu irmão e à minha tia, e escrevo encolhido no canto de um dos quartos, sentado em um colchão velho, com a tinta das paredes pendurada sobre minha cabeça.

Financeiramente não me parece que isto aqui valha alguma coisa. É um apartamento grande, com, provavelmente, mais de 50 anos. O encanamento está quase todo destruído (canos de ferro com cinquenta anos, em Recife, somem, literalmente). A fiação elétrica é uma lástima (além de um risco à vida dos condôminos) e queima o que quer que funcione com energia. As janelas de todos os quatro quartos é de madeira. Podre. Se seguram com suas últimas forças, tentando não cair até a chuva e o vento do próximo inverno as castigarem, quando então ficarão por conta da sorte. As paredes estão fofas e manchadas, devido à umidade, fruto do clima, do encanamento e das dezenas de gatos que aqui viveram em outras épocas. Os armários embutidos estão estragados, e apesar de não abrigarem cupins, fedem, rangem e soltam lascas e farpas. Sobraram alguns móveis centenários, escuros e sombrios, cheios de livros sobre ocultismo, herança de algum ex-morador obscuro. O corredor, que leva aos quartos, é estreito, e as lâmpadas incandescentes que o seguem piscam, aleatoriamente, até pararem de funcionar em frente à porta da suíte, sem luz, da minha avó, falecida há mais de uma década.

Algumas das histórias que acompanham este apartamento já fizeram com que eu chorasse. Às vezes de tristeza, às vezes de horror.

Eu não precisaria estar aqui. Tenho outros lugares onde ficar, em condomínios novos, com piscinas e elevadores funcionais. Com gente jovem ao invés das entidades fantasmagórico de gerações que viveram e morreram nestes quartos. No entanto, a idéia de consertar estas paredes e de jogar fora todo o lixo me fascina por alguma razão.

Tenho impressão de que o que me trás até aqui é o mesmo que me levou ao meio do Cerrado do Piauí, aos moquifos dos centros urbanos da China, às favelas e regiões de baixo meretrício de São Paulo, às matas e fazendas abandonadas onde eu acampava quando adolescente, às vilas sem nome de pescadores de um Rio de Janeiro sem turistas, à cerveja barata e à cama das melhores ilusões que já tive.

Tenho, acima de tudo, a impressão de que este lugar torto, casa de tanta tristeza e desespero, também pode abrigar o nascimento de algo que eu ainda não conhecia. Algo bom. Para tudo isso, inclusive para mim, tenho esperança.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Papito

Anteontem fui correr no calçadão da praia.

-ô! ô!

Parei e olhei para um senhor de meia idade que me gritava "ô! ô".

-Quê?

-Habla español? Speak english? Eu sou espanhol!

-Hablo e ispíco, mas pode ser português mesmo.

Aí veio uma conversa sem pé nem cabeça sobre o país de onde eu vim e sobre como eu falava um português fluente.

-Se eu quiser te roubar um euro como é que eu faço?

-Se você quiser me roubar um euro você está lascado. Eu não tenho nem um centavo.

Os três rapazes desdentados e queimados de sol que acompanhavam o espanhol com quem eu conversava começaram a rir repetindo o que eu tinha acabado de falar. O espanhol começou a rir também. No banco do calçadão alguma comida que parecia um despacho de macumba esfriava sob a nossa prosa.

-Kafka! Kafka! Você sabe quem foi Kafka??? - Me perguntou, em inglês, o espanhol que lia uma frase, supostamente do Kafka, na minha camisa - Me fale uma frase de Cristo!!! Me fale uma frase de Cristo!!! Deixa que eu falo: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo”.

Olhei sorrindo e ele acrescentou:

- Há um ditado grego que diz assim... - E ele falou em algo que pareceu ser grego - Sabe o que quer dizer isso? "Aquele que ama, ama eternamente". AQUELE QUE AMA, AMA ETERNAMENTEEEEE!!!! - O Espanhol começou a gritar para todo mundo que passava na praia.

- O moço tava correndo, Papito... - disse o desdentado que sorria.

- Não tem mal, eu gosto de conversar com o Papito. - Disse eu.

- I love you. - Disse o Papito.

- I love you too. - Disse eu.

- Se eu quiser te roubar um euro, como é que eu faço? - Disse o Papito.

- OK. Vamos tomar uma pinga. Eu boto na conta. - Disse eu para o Papito e os três desdentados, apontando para o bar mequetrefe cujo o dono eu conhecia.

Antes de sentarmos nas cadeiras de plástico que estavam na areia notei e comentei sobre a camisa do Barcelona que Papito usava.

- BARCELONAAAA!!!! ÊÔOOOO! ÊÔOOOOO!!! - Rugio Papito para todos que passavam.

Durante a pinga não conversamos muito.

Aparentemente todos nós levamos a bebida muito a sério.