quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Papito

Anteontem fui correr no calçadão da praia.

-ô! ô!

Parei e olhei para um senhor de meia idade que me gritava "ô! ô".

-Quê?

-Habla español? Speak english? Eu sou espanhol!

-Hablo e ispíco, mas pode ser português mesmo.

Aí veio uma conversa sem pé nem cabeça sobre o país de onde eu vim e sobre como eu falava um português fluente.

-Se eu quiser te roubar um euro como é que eu faço?

-Se você quiser me roubar um euro você está lascado. Eu não tenho nem um centavo.

Os três rapazes desdentados e queimados de sol que acompanhavam o espanhol com quem eu conversava começaram a rir repetindo o que eu tinha acabado de falar. O espanhol começou a rir também. No banco do calçadão alguma comida que parecia um despacho de macumba esfriava sob a nossa prosa.

-Kafka! Kafka! Você sabe quem foi Kafka??? - Me perguntou, em inglês, o espanhol que lia uma frase, supostamente do Kafka, na minha camisa - Me fale uma frase de Cristo!!! Me fale uma frase de Cristo!!! Deixa que eu falo: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo”.

Olhei sorrindo e ele acrescentou:

- Há um ditado grego que diz assim... - E ele falou em algo que pareceu ser grego - Sabe o que quer dizer isso? "Aquele que ama, ama eternamente". AQUELE QUE AMA, AMA ETERNAMENTEEEEE!!!! - O Espanhol começou a gritar para todo mundo que passava na praia.

- O moço tava correndo, Papito... - disse o desdentado que sorria.

- Não tem mal, eu gosto de conversar com o Papito. - Disse eu.

- I love you. - Disse o Papito.

- I love you too. - Disse eu.

- Se eu quiser te roubar um euro, como é que eu faço? - Disse o Papito.

- OK. Vamos tomar uma pinga. Eu boto na conta. - Disse eu para o Papito e os três desdentados, apontando para o bar mequetrefe cujo o dono eu conhecia.

Antes de sentarmos nas cadeiras de plástico que estavam na areia notei e comentei sobre a camisa do Barcelona que Papito usava.

- BARCELONAAAA!!!! ÊÔOOOO! ÊÔOOOOO!!! - Rugio Papito para todos que passavam.

Durante a pinga não conversamos muito.

Aparentemente todos nós levamos a bebida muito a sério.

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